O CineClube Contagem promoveu, na sexta-feira (17) à noite, uma exibição muito singular: o filme argentino-espanhol “O cidadão ilustre (2016)”, drama dirigido por Gastón Duprat e Mariano Cohn, com legendas em português e tradução em Libras, a linguagem dos sinais. A exibição foi feita na Associação dos Surdos de Contagem (ASC).
O filme, que contém doses de humor ácido, conta a história de um escritor que recebe o prêmio Nobel de Literatura e que, depois de décadas longe de sua terra natal, regressa para receber o título de cidadão ilustre da cidade. A volta ao seu país faz com que o protagonista rememore as semelhanças e diferenças irreconciliáveis com as pessoas da sua cidade de origem.
“O filme traz uma discussão sobre o papel do artista no mundo de hoje. Um cine clube é um clube de cinema no qual se exibe um filme e, em seguida, é feito um debate sobre ele. É um momento para a interação e a abertura ao outro. Não tem certo e errado”, esclarece a coordenadora do CineClube Contagem, Mônica Alves, antes de a sessão começar.
Márcia Júlia e Débora Júlia, mãe e filha, ouvintes e estudantes de Libras na ASC, estiveram na exibição. “Sempre foi meu sonho aprender Libras”, conta a mãe. Com apenas seis meses de aprendizado, Débora já se mostra eloquente na linguagem dos sinais e acabou sendo a tradutora para o debate (com surdos e ouvintes), promovido ao final da exibição. “Ainda estou caminhando, mas já dá para conversar e traduzir alguma coisa”, conta Débora Júlia.
Clésio, 23 anos, surdo, foi uma das pessoas que prestigiaram a exibição do filme. Ele conta (traduzido por Débora) que sabe ler somente um pouco, porque teve que parar de estudar para trabalhar. “O último filme que eu vi faz muito, muito tempo”, relata.
Mônica Alves conta que o primeiro contato do CineClube com a Associação dos Surdos de Contagem (ASC) se deu em 2018, quando foi exibido um filme no contexto do festival de direitos humanos que a cidade realizava. Para a coordenadora do CineClube, a experiência mostrou um aspecto pouco conhecido das pessoas sobre os surdos: muitos deles não são alfabetizados em Língua Portuguesa e se comunicam exclusivamente por meio da Língua Brasileira de Sinais, as Libras.
“Ano passado, no primeiro contato com a Associação dos Surdos, eles gostaram muito. O retorno deles foi inusitado, uma coisa que, às vezes, a gente não imagina: muitos deles não têm o hábito de assistir a filmes porque não são alfabetizados na Língua Portuguesa (chamada de L2), que é a segunda língua para os surdos (a primeira é a Língua Brasileira de Sinais, chamada de L1). Então, o filme ter legenda não significa muito para eles. Eles ficaram muito felizes com a iniciativa da Prefeitura de Contagem de ter esse cuidado, de trazer um filme para eles, traduzido em linguagem de sinais”, explica Mônica Alves.
Foi graças a esse retorno que foi criada a possibilidade de exibição de um filme com tradução em linguagem de sinais em toda terceira sexta-feira do mês, sob demanda. “Neste ano é a primeira vez que realizamos uma exibição voltada para esse público. Viemos até eles, na ASC, para que eles pudessem participar”, diz a coordenadora.
O CineClube é um projeto da Secretaria de Cultura, Esporte e Juventude de Contagem, junto ao Serviço Social do Comércio (Sesc), que promove exibições semanais de filmes no Centro Cultural de Contagem, situado na rua Dr. Cassiano, nº 120, no centro. No mês de maio, a temática que liga todos os filmes exibidos na Casa Amarela é o trabalho. Já a ASC completou 30 anos em 2018 e tem como mascote a Pantera Cor-de-Rosa, que não se comunica verbalmente, e sim através de mímicas.
Está na lei
Desde 2002, por meio da Lei nº 10.436/2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais, as Libras são reconhecidas como meio legal de comunicação e expressão no Brasil. A lei diz que as Libras são um sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, e se constituem como um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Essa lei também institui que o poder público deve garantir formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.