O Atlas da Violência de 2019, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), incluiu seção inédita sobre a violência contra a população LGBTI+, sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros e intersexuais. Em Minas Gerais, o número de denúncias por lesão corporal, tentativa de homicídio e homicídio de LGBTIs subiu de 98 para 117 entre 2011 e 2017. Como o cenário atual é de escassez de dispositivos de coleta e monitoramento de indicadores relativos à temática, é provável que esses números estejam subnotificados e que a violência à qual o público LGBT esteja submetido seja maior.
Para fomentar o debate da afirmação de direitos deste público e do enfrentamento ao preconceito e à discriminação, a Subseção de Contagem da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/Contagem) vestiu-se com as cores da diversidade e promoveu, na semana passada, o 1º Seminário de Diversidade Sexual e de Gênero. A Prefeitura de Contagem, por meio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, foi um dos apoiadores do evento.
Cerca de 80 pessoas estiveram presentes, entre advogados e ativistas da causa. Foram debatidos temas como discriminação, violência da população LGBTI no Brasil, direito à saúde da população LGBTI, a transfobia estrutural e o genocídio da população trans, novos direitos, vulnerabilidades e o direito ao nome social, liberdade acadêmica para a educação sobre gênero e diversidade sexual. Em 28 de junho é comemorado o Dia Internacional do Orgulho LGBTI.
O superintendente de Políticas de Defesa dos Direitos Humanos e Diversidade Sexual da Secreta-ria de Direitos Humanos e Cidadania, Marco Antônio Rezende Diniz, representou o prefeito Alex de Freitas no evento. Ele comentou a importância da parceria com a OAB/Contagem. “É a primeira vez que acontece um evento com essa temática dentro da Instituição. É um avanço não só para a administração pública municipal e para a Ordem, mas para a sociedade, porque é uma porta de entrada para uma discussão muito mais ampla. Quando a presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB/Contagem, Emannuelle Rosa, nos convidou, nós de pronto aceitamos, e a Superintendência propôs também que esse tema seja discutido não somente agora, dentro da OAB, mas também extramuros”.
O presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-MG, Alexandre de Moraes Bahia, foi um dos palestrantes da noite. Ele ressalta que o Brasil é um dos países mais violentos do mundo para LGBTIs viverem. “Esses índices, que são subnotificados, mostram que se trata de uma violência sistemática e que acontece com uma minoria que é tradicionalmente excluída da sociedade, em vários níveis”, aponta. Ele também chamou a atenção para a importância da inserção da temática nos currículos acadêmicos. “Essa é uma discussão importante para nós, advogados, para repensarmos inclusive os fundamentos do direito com o qual fomos formados, que na verdade excluía esse tipo de diversidade”, afirmou o advogado.
A vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-MG e membro da Comissão de mesmo nome na OAB/Contagem, Emilia Viriato, destaca que o objetivo foi trazer esclarecimentos quanto à dignidade humana. “Todos têm direitos, e toda a sociedade tem o dever de respeitá-los, porque todas as formas de amor são válidas. E é isso que nós estamos promovendo: conscientização do direito das pessoas”.
A presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB/Contagem, Emmanuelle Rosa, ressalta que o antídoto para o preconceito é a informação. “Promover eventos com essa temática é muito bom para que a gente possa combater o preconceito com informação, principalmente em épocas em que estamos lidando cotidianamente com a desinformação”, reforçou a advogada.
VanguardaO presidente da OAB/Contagem, Sanders Alves Augusto, chama a atenção para o papel da Instituição nas lutas em defesa dos direitos das populações LGBTI. “A OAB saiu na vanguarda nessa questão há muitos anos, com a instituição da carteira de identidade com nome social para o advogado. E a Subseção Contagem sai também na vanguarda, fazendo esse seminário aqui na cidade, um marco histórico para a Subseção”, disse.
O membro da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB/BH Fernando Caetano Rocha Júnior, outro palestrante, argumenta que iniciativas como o seminário são muito mais importantes em um momento de ascensão do discurso contra o reconhecimento dos direitos das populações LGBTI. “Com a emergência de governos ultraconservadores, um seminário como esse é ainda mais importante, para reforçar a batalha de instituições como a OAB, que se posiciona como uma entidade que recebe, dentro da sede, um seminário que prestigia a diferença”, apontou.
O especialista em Colonialidade de Gênero e Filosofia da Libertação Kalyton Lucas Alves Lemes, que também proferiu palestra, explica que as questões que envolvem gênero estão entremeadas com as de raça. “Precisamos falar sobre gênero, porque as pessoas que não estão no padrão do gênero que socialmente se coloca estão sofrendo violência, sendo mortas todos os dias, e podem estar perdidas em seus sentimentos e consciências. E estudando gênero na questão colonial, desde a invasão das Américas, eu percebi que gênero e raça estão entremeados, não tem como falar de um sem o outro, porque são lugares sociais que estão sendo desconstruídos. Como resistir a isso?”, indaga o pesquisador.
A professora de literatura, presidente da ONG Travest e a primeira candidata trans ao Senado Federal, Duda Salabert, uma das presenças mais aguardadas do evento, realçou a importância da promoção de iniciativas como o seminário. “Como a gente vive em um contexto em que a palavra ‘gênero’ está cada vez mais demonizada, e por trás dessa demonização há o desejo da censura em torno do conceito de gênero e da sexualidade, criar espaços como esses são fundamentais, porque contribui para dilatar um pouco mais a democracia. O que se propõe aqui é justamente ampliar o debate, conquistar consciências e mostrar que iniciativas como essa têm que se multiplicar pela sociedade, sobretudo tendo o respaldo da OAB, que, historicamente, esteve ao lado de movimentos sociais na busca de uma sociedade mais igualitária, justa e humana”.