Usuários atendidos pelo Centro de Convivência Horizonte Aberto participaram, nesta terça-feira (5), de uma reunião de pauta para produção de um texto colaborativo a ser publicado na edição de março do Caderno de Cidadania. Será a segunda de uma série de seis publicações sobre o Centro de Convivência de Contagem, que integra a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de município. O Caderno de Cidadania é um jornal mensal editado pela Gráfica O Lutador, especializada em divulgar entidades e ações que promovem direitos.
A ideia é de que, durante os seis meses de presença no Caderno de Cidadania, o grupo de trabalho que irá participar das coproduções, formado por usuários atendidos no Centro de Convivência e Pontos TEIA, além de familiares e trabalhadores da RAPS de Contagem, amadureça a ideia de produção de um jornal próprio.
Na reunião, da qual participaram cerca de 20 pessoas, os usuários atendidos, agora repórteres, fizeram uma leitura coletiva da edição deste mês de fevereiro, cada um com um exemplar do jornal nas mãos. Ao longo da leitura, as pessoas vão ouvindo a própria voz e a dos demais integrantes da reunião e são convidadas a refletir sobre temas como registros de memórias, reconstruções da própria história e do mundo, reafirmações de direitos e as mudanças experimentadas pelas políticas públicas ligadas à saúde mental.
A gestora do Centro de Convivência/Projeto TEIA, a psicóloga Pollyana Costa Santos, chama a atenção para aspectos técnicos do Caderno de Cidadania, que possui oito páginas. “Como pensamos as páginas? Estamos falando da paginação. A página 1 é a capa. Na página 2, vem o editorial, que dá um panorama do que virá no jornal. E as páginas 4, 5, 6 e 7 conterão nossas elaborações, mês a mês. É onde vamos dizer sobre nós, nossa história. Registrar as memórias é uma forma de fazer história.”, detalha Pollyana, iniciando as conversas.
Como as técnicas e modos de produção são também construções sociais, Pollyana Santos destaca ainda os aspectos filosóficos envolvidos na produção de um jornal. “Um jornal é feito de fatos e fotos. Uma “foto-grafia” é a imagem escrita... Precisamos cuidar da nossa imagem. A nossa imagem não é apenas a barba bem feita ou o batom bonito na maquiagem. A nossa imagem é o nosso ser. Cuidar da nossa imagem é cuidar do nosso ser no mundo. Isso sim é sair bem na foto!... E quando não tem a foto, podemos escrever a história pelo fato: “fato-grafia”. Os fatos são os acontecimentos. Fato faz rima com ato. O nosso ato de cada dia faz da gente atores, com o poder de ação. A ação de cada um e as ações em grupo vão fazendo história. A gente junto, cada um com sua história, é um grupo pensante, um grupo pulsante. A gente agrega, e depois expande. O coração da vida. Pulsação”.
“Está na hora de você reconstruir o mundo”
“E sempre antes de uma história... tem outra história, que se entrelaça com a nossa”, seguem as reflexões em grupo, coordenadas pela psicóloga e a terapeuta ocupacional Ellen Cristina Gomes de Andrade, do Núcleo de Atendimento à Saúde da Família (Nasf) Petrolândia, convidada a ser oficineira dessa escrita coletiva.
Como a história de Arthur Bispo do Rosário, um homem que viveu meio século internado em um hospital psiquiátrico e, conhecendo os muros da loucura, a seu modo, tentou desconstruir o manicômio e o isolamento ao qual era submetido, recriando sua história através da arte. “Arthur Bispo, que recebeu diagnóstico de esquizofrenia, hoje é considerado um artista, com suas obras divulgadas mundo afora. Ele ouvia vozes e, em um desses momentos, ouviu o seguinte: “Está na hora de você reconstruir o mundo”. Naquela época, não tinha Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), não tinha Centro de Convivência. Ele buscou reconstruir seu mundo dentro do manicômio. Mas hoje, se o Bispo estivesse entre nós, ele não estaria no isolamento de um hospital, poderia estar em um Centro de Convivência, com sua recriação da vida”, argumenta Pollyana Santos. A partir de então, as coordenadoras Ellen e Pollyana provocam o grupo: “o mundo ainda precisa ser reconstruído?”
Os comentários dos usuários-repórteres não deixam dúvidas: a reconstrução do mundo é necessária e constante, e envolve a afirmação de direitos, como o direito à saúde. “Mas reconstruir o mundo não envolve uma pessoa só. Precisamos estar juntos para depois expandir e sair daquele pedaço de mundo”, instiga a psicóloga.
Voz e vez
Aos poucos, ao longo da reunião, os usuários-repórteres ganham autonomia para se posicionar diante dos assuntos que se afiguravam na reunião de pauta. “Eu acho importante escrever, porque quando a pessoa tem uma ideia, ela pode expor essa ideia pra sociedade. Minha história é uma história boa. Brilhante. De superação”, fala Romeu. “A primeira coisa que a gente vê no jornal é a foto. A imagem. Depois vem a escrita. É bom a gente lembrar que pode e deve construir um jornal”, diz Lisângela. “Tudo tem um início. Tudo nasce. O jornal nasce com o nosso grupo. Um grupo que tem poder de ação. No ato nosso de cada dia, a gente pensa o que tem feito para um mundo melhor”, afirma Flávio. “Nossa proposta é registrar todos os acontecimentos. É importante não apenas para que as pessoas saibam o que nós representamos, mas a importância que tem pra gente escrever nossa própria história. Importância de não perdermos nossa história, para a partir daí, buscar outras histórias”, explica Beth. “Importante participar da construção desse jornal para o crescimento do grupo. Se é um grupo fechado e a gente não sabe o que tem lá dentro, não tem como a gente se interessar. Não podemos ficar fechados em nós mesmos. Temos que espalhar a nossa história. Se as pessoas têm conhecimento da nossa luta, elas podem ajudar. Nosso movimento é igual àquele movimento do coração daquela peça de teatro que vocês fizeram. Coração é vida. Nosso movimento é de juntar para depois expandir”, reflete Carlos.
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