Em 24 de janeiro deste ano, o Morro dos Cabritos, no bairro Morada Nova, na regional Ressaca, precisou ser evacuado. A medida foi tomada pelo Gabinete de Crise - montado pela Prefeitura de Contagem para lidar com as fortes chuvas -, em razão do risco iminente de deslizamentos de terras por causa do terreno encharcado pela chuva constante que atingiu o local, principalmente, nos dias 23 e 24 de janeiro. Embora não tenha havido no Morro dos Cabritos nenhuma vítima fatal em decorrência de desabamentos, aproximadamente 400 pessoas que viviam na comunidade precisaram deixar suas casas. A maioria procurou por casas de parentes e amigos, mas outros tantos precisaram se abrigar em pontos de apoio montados pela Prefeitura de Contagem.
Desde então, a Escola Estadual Professora Lígia Maria Magalhães, vizinha à comunidade do Morro dos Cabritos, tornou-se um dos pontos de apoio para receber os desabrigados pela chuva. O número de pessoas abrigadas nessa escola variou conforme os dias foram passando, e a escola chegou a comportar 179 indivíduos, como aconteceu no dia 31/1. Para que fosse possível acolher tanta gente, a Prefeitura de Contagem disponibilizou uma estrutura multissetorial que envolveu as secretarias municipais de Desenvolvimento Social, Saúde, Educação, Defesa Social, Obras e Serviços Urbanos e Desenvolvimento Urbano e Habitação, bem como a Administração Regional Ressaca, a Defesa Civil Municipal, a Guarda Municipal de Contagem, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros.
Mas, para além de todo o aparato montado pelo Executivo municipal para dar conta de todas as funções envolvidas nesse acolhimento, uma figura sem vínculo com o Estado foi essencial para o enfrentamento dos desafios: o voluntário. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), voluntário é aquele jovem, adulto ou idoso que, devido a seu interesse pessoal e a seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração, a diversas formas de atividades de bem-estar social. A ONU destaca que o voluntariado traz benefícios tanto para a sociedade em geral como para o indivíduo que realiza tarefas voluntárias, contribuindo nas esferas econômica e social e para a construção de uma sociedade mais coesa, através da construção da confiança e da reciprocidade entre as pessoas.
De acordo com Jonathan Almeida Araújo, presidente da Organização Não-Governamental (ONG) Núcleo de Incentivo à Cidadania (NIC), instituição que atua na região da Ressaca ofertando atendimento social, cultural e educacional a pessoas de todas as idades, desde o dia 24, quando o Morro dos Cabritos foi evacuado, cerca de 100 pessoas envolveram-se em trabalhos voluntários no ponto de apoio montado na Escola Estadual Lígia Magalhães, entre pessoas vinculadas a igrejas e entidades (sociedade civil organizada), pessoas sem vínculos com entidades e pessoas da própria comunidade. “O processo todo começou na quinta-feira, 23. A regional Ressaca nos acionou, bem como a outros parceiros na região. Na equipe de voluntários do NIC havia em torno de 15 pessoas. Demos suporte nos trabalhos da cozinha e na limpeza. Distribuíamos a comida fornecida pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, via Restaurante Popular, e preparávamos cafés da manhã, da tarde e da noite”, relata o presidente.
Centenas de voluntários
Mas o número de voluntários é ainda maior, se forem considerados os outros abrigos que a prefeitura montou, como na Escola Municipal Pedro Alcântara Júnior. De acordo com a superintendente de Prevenção ao Uso de Drogas da Secretaria Municipal de Defesa Social, Kátia Bordoni, a estimativa é de que centenas de voluntários tenham participado ao longo de todos esses dias. “Estimamos que aproximadamente 500 pessoas tenham participado ou com algum trabalho voluntário ou prestando alguma doação. Tivemos pessoas da própria comunidade que não foram atingidas e participaram doando sua força de trabalho, tivemos líderes sociais, tivemos integrantes do projeto Mulheres da Paz e do Transformar Contagem e muitas outras pessoas. Esses momentos foram oportunidades de aprendizado cívico e criação de laços de afeto”, afirma a superintendente.
[caption id="attachment_52570" align="alignleft" width="493"] Diretora Angélica Gontijo abriu as portas da escola e foi uma das centenas de pessoas que ajudaram as vítimas da chuva.[/caption]A diretora da Escola Estadual Professora Lígia Maria Magalhães, Angélica Bárbara Gontijo, foi quem abriu todas as portas da escola à comunidade afetada. Ela, que tem 27 anos de Lígia Magalhães e mora no bairro Colorado, vizinho ao Morro dos Cabritos, conta que também ajudou nos trabalhos de retirada de moradores dos locais de risco. “Lembro-me de que foi no sábado (25/1), quando a torre de energia ficou meio tombada. Foi uma coisa muito triste, veio gente chegando coberta por barro na escola, desesperada e pedindo socorro. Subi o morro junto com outras pessoas e ajudei algumas a sair do local. Muita gente não ligada ao poder público acabou ajudando nesses resgates. Mas o pessoal da prefeitura, do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), da Defesa Civil, dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) deram todo o apoio. Em nenhum momento, a atuação das equipes do poder público deixaram a desejar e houve uma verdadeira parceria de todos, da sociedade e do governo”, afirma a diretora.
Solidariedade
A opção por ajudar mobilizou pessoas de diversas idades. Pâmella de Almeida Ventura, 18 anos, Valéria Fiúza dos Santos, 41, e Juca Coelho, 61, participaram do esforço voluntário na escola Lígia Amaral naquela quinta-feira (23/1), que ficou conhecida como “o primeiro dia”. Paula Peixoto, 50 anos, atuou na sexta, no sábado e no domingo seguintes. Todos trabalham no NIC Contagem e relatam ter experiências anteriores com comunidades carentes, como a Vila União e a ocupação Guarani Kaiowá, ambas na regional Ressaca.
“Na Lígia Magalhães, atuamos em frentes como a triagem e o recebimento de doações, também distribuindo café da manhã, lavando e picando frutas, limpando e distribuindo marmitex. Chegamos a ajudar muitas pessoas. Pelo cálculo da alimentação que repartimos, podemos dizer que mais de 300 pessoas chegaram a ser alimentadas em um só dia, porque distribuímos em um só dia mais de 350 marmitex”, conta Valéria. “Dávamos apoio não só aos desabrigados, mas também aos funcionários que estavam ajudando lá, como os servidores da Defesa Civil, da Guarda Municipal e do Corpo de Bombeiros”, emenda Paula. “A média foi de 250 famílias. Aí, você multiplica quantas pessoas têm numa casa: tem casa que tem sete, dez pessoas. Foi um entra e sai danado, e a cada dia chegavam mais pessoas”, disse Juca.
Mesmo com todas as dificuldades inerentes a uma situação de emergência, como essa que abateu o Morro dos Cabritos, para o grupo, o balanço de mais uma experiência de voluntariado foi mais que positivo: “Valeu muito a pena, é muito gratificante ajudar o próximo”, afirma Juca. “Até sonhei que eu estava ajudando na escola”, confidencia Pâmella. “Eu me senti útil. É bom, a gente sempre se colocar no lugar do outro porque um dia a gente também vai precisar. Talvez não dessa forma. A mão que é estendida faz a colheita com certeza”, assevera Paula. “Nós estamos nesse mundo para ajudar ao próximo, ninguém é sozinho neste mundo”, finaliza Valéria.