Você já imaginou como é o cotidiano de uma pessoa surda? Como deve ser difícil tentar se comunicar e não ser escutado? Como é não poder contar com modelos inclusivos de acolhimento de demandas, legítimas, de acesso à informação, profissionais qualificados e reconhecimento identitário?
Para apresentar um pouco da cultura surda e dos desafios vivenciados por pessoas que têm perda parcial ou total da capacidade de detectar sons, a Associação dos Surdos de Contagem (ASC), em parceria com a Prefeitura de Contagem, realizou a palestra “Cultura dos surdos, mãos que falam e olhos que escutam”. O evento ocorreu na sede da associação, na sexta-feira (20), e reuniu cerca de 50 pessoas, que acompanharam a palestra do coordenador da ASC, Dener Oliveira Vasconcelos, proferida em Libras, a Língua de Sinais do Brasil, e foi traduzida simultaneamente, de forma oral, para a Língua Portuguesa.
A ASC está localizada no bairro Jardim Eldorado, regional Eldorado, e completou 30 anos em 2018. A associação tem como mascote a Pantera Cor-de-Rosa, que não se comunica verbalmente, e sim através de mímicas. Saiba mais.
A realização da palestra, que se deu no contexto de celebrações do Dia Nacional dos Surdos, instituído pela Lei nº 11.796/2008, comemorado em 26 de setembro, fez parte das atividades que integraram a 11ª Semana da Pessoa com Deficiência, por sua vez ocorrida entre os dias 16 a 21 de setembro, por meio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (Seduc). A programação teve o objetivo de provocar debates e reflexões sobre desafios e perspectivas ligadas às políticas públicas voltadas a pessoas com deficiência.
O secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Marcelo Lino, presente ao evento, ressaltou que a Prefeitura de Contagem e o prefeito Alex de Freitas ratificam sua disposição em promover uma cidade mais inclusiva. “Temos o nosso valor, nossa competência e capacidade de produzir e de existir em todos os espaços da sociedade. A prefeitura, o prefeito Alex e eu reafirmamos o compromisso com a construção de uma cidade mais inclusiva”, disse o secretário.
O presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com deficiência, Maurício Pessanha, enfatizou o trabalho em prol da inclusão que vem sendo implementado no município, como o atendimento à legislação que institui que alunos com deficiência auditiva tenham o direito a uma educação bilíngue nas classes regulares (Decreto Federal nº 5626/2005) e aquele ofertado pelo Centro Especializado em Reabilitação Tipo IV (CER IV). “Ano que vem é o nosso ano do empoderamento, e Contagem está nessa vanguarda. Unidos, somos mais fortes”, salientou o presidenteonselho.
Demandas de um mundo em silêncio
O coordenador da ASC, Dener Oliveira Vasconcelos, que proferiu a palestra, enfatizou aspectos que são peculiares à cultura surda, como a predominância da comunicação gestual e visual em lugar do uso da voz e da escuta auditiva, ao mesmo tempo em que deu seu testemunho de vida. “Por volta de um ano e meio de idade eu tive meningite, e perdi a audição. Cresci em um ambiente de convivência só de ouvintes. Acabei aprendendo a falar, então, diziam que eu devia ir para uma escola de ouvintes. Só que a professora, os colegas falavam e eu não entendia nada. Eu também queria rir com eles... mas era chamado de “bobo” e passava por situações de constrangimento intencionais e repetidos. Só aos poucos é que fui conhecendo outros surdos. Pesquisei sobre diversas associações de surdos Brasil afora e fui conhecendo a comunidade surda. No país há entre 200 e 300 associações voltadas à comunidade surda. Se não existissem as associações, como a comunidade surda poderia se conhecer, conectar-se, trocar relatos e histórias de vida?”, convidou à reflexão o coordenador da ASC.
Você sabia?
Muitos surdos não se expressam verbalmente por meio da Língua Portuguesa, chamada de “L2”, e se comunicam somente por meio da Língua Brasileira de Sinais, as Libras, chamada de “L1”. “Os ouvintes crescem ouvindo e aprendem a falar. Eu acabei aprendendo a Língua Portuguesa e a fazer leitura labial, mas, para quem já nasce surdo, é mais difícil oralizar. Então, os surdos precisam aprender a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua e a Língua Portuguesa, em sua modalidade escrita, como segunda língua. Por isso, a Língua Brasileira de Sinais deve ser adquirida pelas crianças surdas o mais cedo possível. Estamos lutando, não só aqui em Contagem, para tentar criar e melhorar escolas bilíngues, mas é preciso ressaltar que a comunidade surda precisa socializar não só nas escolas, mas em todos os espaços que constituem a sociedade. A Língua Portuguesa é importante, e as Libras também o são. As Libras são uma forma de comunicação e expressão em que o sistema linguístico é de natureza visual e motora, com estrutura gramatical própria. Eu não sou surdo-mudo. Não sou “mudinho”: eu não escuto, mas tenho voz”, pondera Dener Oliveira Vasconcelos, presidente da Associação dos Surdos de Contagem (ASC).
Está na lei
Desde 2002, por meio da Lei nº 10.436/2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais, as Libras são reconhecidas como meio legal de comunicação e expressão no Brasil. A lei diz que as Libras são um sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, e se constituem como um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Essa lei também institui que o poder público deve garantir formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.