Nascido em Belo Horizonte, em 19 de julho de 1995, mas desde cedo em contato direto com a cultura e os costumes da comunidade quilombola dos Arturos, Hiago Daniel Luz, neto de Mário Brás (Seu Mário) e Maria Auxiliadora (Dodora) é exemplo quando se trata de dedicação, superação e alcance dos seus objetivos.
Estudioso, ele sempre se destacou nas escolas onde estudou em Contagem (Walter Lopes e Maria Coutinho). No entanto, mesmo com dificuldades financeiras, investiu nos estudos, e se preparou para a faculdade. Por meio do Prouni, estudou e se formou em fisioterapia, na PUC Betim. Logo após, iniciou a residência na profissão em Diamantina. Contudo, neste período veio a pandemia que, para ele, trouxe muitas dificuldades. “Naquele momento auxiliei no que pude, tanto na cidade em que eu estava, como na própria comunidade. Infelizmente convivi com algumas perdas, como meu avô, minha avó, uma tia, tudo num período de 15 dias. Com a vacinação da comunidade, conseguimos segurar os efeitos da pandemia”, lembrou.
Depois de controlada, Hiago terminou os estudos e foi contratado como coordenador primário na cidade de Presidente Kubitschek, três mil habitantes, onde ficou por um ano antes de retornar para Contagem. Contudo, um velho sonho de criança, durante a pandemia voltou à mente dele: ser médico. “Desde que voltei, atendi pessoas na comunidade e o mínimo de assistência que eu dei para as pessoas, percebi que estava surtindo um efeito positivo. Daí decidi voltar aos estudos para buscar esse sonho de anos atrás”, comentou. “Voltei ao pré-vestibular, cursinho intensivo e, agora, iniciei uma nova jornada”, disse ele, que vai estudar na Universidade Federal da Bahia.
A escolha da universidade não foi à toa. “Salvador é a cidade mais negra fora da África e, para mim, se assemelha muito a um grande quilombo. Acredito que será uma grande etapa na minha vida, de muito conhecimento, aprendizado sobre saúde e como cuidar do outro. Sou um apaixonado pela saúde e vejo na medicina uma oportunidade de poder ajudar ainda mais minha comunidade”, declarou ele, que afirmou se inspirar muito nos sanitaristas que, segundo ele, impulsionaram a reforma sanitária brasileira, como Jurema Werneck, Gilberto Reis, Jairnilson Paim e Gastão Wagner, além de elogiar o departamento de saúde coletiva da UFBA, classificado como um dos melhores do país.
Para o futuro, Hiago não se vê longe de Contagem. “Com certeza Contagem é o meu lugar. Não me vejo fora da cidade e nem longe da minha comunidade. É um sonho ancestral e coletivo e minha vontade é voltar, após formado, e retribuir todo carinho que tenho recebido para eles. Como sempre falo, nada sobre nós é sem nós”, falou. “Como fisioterapeuta me especializei em Saúde Coletiva e, na medicina, pretendo seguir na mesma área. Quero virar médico de família e comunidade, geriatra ou cuidados paliativos. Obviamente, a gente é como as águas de um rio, em constante transformação, mas não me vejo em uma área em que a minha comunidade e a população preta e quilombola não estejam envolvidas”, completou.
Ativista de causas sociais, Hiago é um forte defensor do Sistema Único de Saúde e contra qualquer tipo de discriminação. “O racismo está aí não é de hoje. Desde os pequenos gestos até os mais absurdos. Digo que sou aquela pessoa que não me imaginava envolvido em causas sociais. Morar em uma comunidade quilombola transforma a gente, penso de forma coletiva, sofro de forma coletiva e faço tudo em conjunto. É uma forma de viver diferente, de ter um pensamento plural e para todos”, destacou ele.
Família como base
“Minha família é a base desse sonho. Minha ancestralidade sempre esteve presente, meus avós sempre me apoiaram, meus pais abdicaram dos seus sonhos em prol dos meus e dos meus irmãos. Arturos é um grande quilombo, é uma grande família e ver a felicidade das pessoas com a minha felicidade é indescritível. No dia do resultado da minha aprovação até batucada na minha porta eu recebi, assim como faixa na entrada da comunidade. Ser quilombola é isso: é se alegrar com quem se alegra e chorar com quem chora. Tenho muito orgulho de ser e representar os Arturos”, relatou.
Mais oportunidades
Hiago espera que, num futuro não muito distante, as crianças quilombolas possam ter mais oportunidades, como ele conseguiu ter. “Quero ser um grande financiador de sonhos. Assim como tem muitas pessoas me ajudando nesse momento, num futuro quero dar esse retorno também. Espero, de coração, que a minha comunidade seja um exemplo exitoso de como é importante uma política pública que inclua as pessoas. Que eu não seja o único e que no próximo ano tenhamos muito mais pessoas da comunidade quilombola dos Arturos e de outras comunidades nas universidades federais do país”.
“Tem uma música do Milton Nascimento que fala que sonhos não envelhecem e, para mim, é isso, não importa a idade, nunca devemos parar de sonhar. Meu sonho demorou um pouco para acontecer, foram noites mal dormidas, infinitas crises de ansiedade, comentários depreciativos dizendo que eu não ia conseguir, racismo, dívidas com cursinho, mas cá estou eu, indo correr atrás deste sonho e deste diploma, como diria o Emicida. Para mim, a educação transforma. Espero que nossos líderes tenham isso como lema. Investir em educação é uma potente forma de mudar realidades”, finalizou.