A Comunidade Quilombola dos Arturos, Patrimônio Imaterial de Minas Gerais e de Contagem, mantém viva uma das mais potentes expressões de sua ancestralidade com a realização da Festa de João do Mato, ritual tradicional que reafirma o vínculo entre cultura, trabalho coletivo, memória e cuidado com a terra. Neste ano, a celebração aconteceu no último sábado (13/10), reunindo moradores, famílias e visitantes em um momento marcado pela solidariedade e pela força simbólica herdada dos antepassados.
Também conhecida como Festa da Capina, a celebração é um ritual coletivo de preparação da terra, realizado em mutirão, no qual homens, mulheres e crianças seguem juntos até os roçados, munidos de enxadas e foices, entoando cânticos que evocam as dificuldades da vida cotidiana e a resistência do povo negro. O centro do ritual é a figura do João do Mato, representado por um membro da comunidade coberto de folhas, que simboliza as ervas daninhas, o descuido e as forças que se opõem ao trabalho humano.
Durante a cerimônia, João do Mato surge próximo à última moita a ser capinada e tenta escapar das enxadadas até ser simbolicamente “expulso” pelos capinadores, que erguem suas ferramentas e entoam cantigas de afastamento. O gesto representa a vitória do esforço coletivo, da disciplina e do cuidado com a terra, em um processo entendido pela comunidade como uma fase de purificação.
Para o gerente de Museologia, Arquivologia e Bens Patrimoniados da Diretoria de Memória e Patrimônio, Rafael Diogo, a Festa de João do Mato é uma prática cultural profundamente educativa, na qual o aprendizado ocorre por meio da vivência coletiva e da relação cotidiana com o território. Segundo ele, “a festa evidencia que o aprendizado não se restringe a espaços formais, mas acontece no fazer conjunto, no mutirão da capina, nos cânticos, nos gestos e nos símbolos compartilhados pela comunidade. Nesse processo, o território se afirma como um espaço formativo e identitário, no qual a terra não é apenas um bem material, mas um lugar de memória, espiritualidade e reprodução da vida quilombola”, destaca.
Integrante da Comunidade Quilombola dos Arturos e representante da terceira geração, Márcio Henrique Silva, conhecido como Marcinho, afirma que a Festa de João do Mato tem um significado profundo para a comunidade, por simbolizar o cuidado com o território e o respeito aos ciclos da natureza. Para ele, o ritual ensina que ninguém constrói nada sozinho, reforçando valores como união, partilha e responsabilidade coletiva. Márcio destaca ainda a importância da participação das crianças, dos mais velhos e das mulheres, que atuam de forma ativa tanto no trabalho do roçado quanto no fortalecimento dos laços comunitários, garantindo a continuidade da tradição e do modo de vida quilombola. "
Este ano, a festa foi ainda mais especial para mim. Aos 62 anos, eu estava ali com minhas duas filhas e meus dois netos, de 7 e 3 anos. Fiquei muito feliz em poder deixar que eles pegassem as ferramentas, sentissem a terra nas mãos e me acompanhassem no plantio das árvores. Isso mostra que essa tradição é passada de pais para filhos, de geração em geração, garantindo que o nosso modo de viver continue vivo", disse, emocionado.
Para Gracielly Naiara, liderança da Comunidade dos Arturos e representante da quarta geração, a Festa de João do Mato representa a união e a força de uma família que precisou resistir para existir. Segundo ela, o ato simbólico de expulsar a figura da erva daninha da roça tem um significado mais profundo, pois convida a comunidade a olhar para dentro de si e refletir sobre a importância de deixar para trás aquilo que não prospera, não edifica e não floresce.










